26.3.07
A Entrevista Despercebida
Há casos destes : entrevistas que ficam sem comentadores. Desta que pretendo aqui evocar, nem aqueles conhecidos como habitualmente mais frenéticos, dela se ocuparam. Refiro-me, em concreto, à extensa entrevista de Mira Amaral ao Jornal de Negócios, do dia 16 de Março pp.
Julgo que terá sido a maior entrevista que MA deu na sua vida a algum órgão da Comunicação Social. Nem mesmo durante os dez anos que passou nos Governos de Cavaco Silva terá dado uma entrevista tão vasta como a que pudemos ler na edição do Jornal de Negócios de 16 de Março.
Nela eram abordados assuntos da sua vida pública, distante e mais recente, ao lado de outros do foro privado.
Sendo Mira Amaral um reputado Engenheiro, com invulgar domínio das questões de Economia e de Finanças, Gestor, Professor Universitário, ex-Ministro e figura pública com larga e desinibida intervenção na vida social e política do País, seria expectável que a entrevista tivesse merecido dos restantes órgãos da Comunicação Social significativo grau de atenção.
Todavia, nem esta, nem os seus múltiplos comentadores, estipendiados ou honoríficos, a título institucional ou em nome próprio, lhe dedicaram sequer parcas linhas das suas abundantes crónicas, sabendo-se que, alguns deles, dispõem até de múltiplas tribunas em diferentes órgãos da Comunicação Social, incluindo a «omnipercuciente» TV.
De facto, estranhamente, sobre a entrevista caiu um profundo silêncio. Ninguém referiu, ninguém glosou, ninguém analisou ou comentou o que quer que fosse. Ninguém disse uma palavra, pelo menos nada dela transpirou nos principais meios de comunicação.
Desde logo, tal silêncio estabelece um espantoso contraste com a atenção que normalmente é concedida, por essa mesma Comunicação Social, à torrente de banalidades proferida por apagadas e tristes figuras que preenchem a buliçosa, mas notoriamente oca de significado e de propósito, vida político-partidária do País.
Na entrevista, Mira Amaral tocava, ainda que fugazmente, alguns temas quentes, como o da sua confessada ingenuidade em ter aceite o cargo de Administrador Executivo da Caixa Geral de Depósitos, com o seu antecessor, promovido a Presidente Tutelar da instituição, presente envenenado de Manuela Ferreira Leite, ainda por cima, não totalmente desligado de pelouros.
Pelo contrário, neles continuaria a intervir, criando situações de previsível divergência ou mesmo de conflito, com as funções de MA, nominalmente o responsável executivo daquela referida instituição pública bancária. Da possibilidade conflitual ao real desentendimento foi um pequeno passo, logo concretizado, com os consequentes prejuízos imediatos para o desempenho da instituição.
Sobre a sua saída da CGD, combinada com o Governo de então, chefiado por Santana Lopes, com Bagão Félix em Ministro das Finanças, MA diz ter sido por este traído, rompendo-se assim o acordo que com ele teria feito, para anunciar a sua demissão do cargo que desempenhava.
Ser traído por membro de Governo amigo já deverá ser em si mesmo desagradável. Mas se a isto se juntar o labéu da reforma escandalosa, modo particularmente duro como Bagão Félix se referiu às condições remuneratórias da saída de MA da CGD, negociadas previamente, sublinhe-se, de acordo com regras existentes na instituição, perfeitamente conhecidas da tutela governativa, ter-se-á gerado, pode imaginar-se, entre o Governo supostamente amigo e o Ministro das Finanças de então, Bagão Félix, uma combinação de aleivosias duplamente insultuosa para Mira Amaral.
Aqui valeria a pena a MA ter sido mais circunstanciado nas suas explicações, para se avaliar até que ponto se teria descido na falta de solidariedade entre membros de uma família política que, supostamente, sustentava um Governo de coligação.
Também noutro ponto da entrevista, poderia MA ter ido mais longe, quando afirmou estar hoje arrependido de haver apoiado Durão Barroso, quando este se candidatou à Presidência do PSD, e de não ter, ele próprio, na altura, tentado disputar a chefia do Partido.
Durão Barroso, lembremo-lo, havia sido repetidamente caucionado por Cavaco Silva e por muitos outros altos dirigentes do PSD, acabando estes por lhe pedir, quase por favor, se dignasse dirigir o Partido, que os reconduzisse às vitórias eleitorais e, consequentemente, ao Governo do País.
Pode talvez dizer-se, neste âmbito, que nunca, como então, tantos terão dado tanto por tão pouco.
Cavaco Silva que, com Durão Barroso, convivera dez anos, nos Governos a que presidira, nunca deu a ninguém o menor sinal de dúvida quanto à real capacidade de Barroso para vir a ser simultaneamente líder do Partido e de um futuro Governo, levando os demais a presumir que Barroso reunia em si as qualidades adequadas ao desempenho das pesadas responsabilidades que, nessas funções, inevitavelmente, lhe seriam atribuídas.
Na verdade, qualquer líder do PSD se arrisca sempre a tornar-se, mais cedo ou mais tarde, se se aguentar no lugar, Primeiro-Ministro de Portugal. E tal veio, de facto, a suceder, mais cedo ainda do que se esperaria, uma vez que o segundo Governo de Guterres duraria apenas metade do tempo normal, quando este palavroso Engenheiro, senhor de uma Licenciatura brilhante, do mui nobre Instituto Superior Técnico de Lisboa e não de um qualquer casarão restaurado à pressa, impropriamente chamado de Universidade, descobriu que, afinal, à sua volta, se havia, contra sua vontade, presume-se, criado o famigerado pântano.
Estranhamente, em vez de tão deletéria situação o impulsionar ao seu pronto combate, pelo contrário, levou-o à súbita defecção de funções, abandonando Governo e Partido, na sequência de uma oportuno pretexto que lhe surgiu, com a derrota de umas eleições autárquicas, que a nada disso o obrigava.
Neste contexto, foi, de facto, lamentável que Cavaco Silva tivesse dado o seu alto beneplácito a uma figura tão pouco credível, como Durão Barroso, movido por um frio calculismo de carreirista infrene, como rapidamente se haveria de revelar, mesmo para os mais cépticos quanto às escassas advertências, que, em tempo útil, alguns ainda ousaram fazer, sem que ninguém lhes tivesse dado ouvidos.
Também este facto denuncia a falta de perspicácia política de Cavaco Silva, como igualmente havia ficado demonstrado noutras escolhas suas, para órgãos importantes do Estado.
Isto cumpre dizer, pese todo o reconhecimento das suas múltiplas qualidades de competente Economista, emérito Professor Universitário, homem de carácter sério, honesto e determinado no desempenho das suas obrigações, mas também, há-de reconhecer-se, pessoa, comprovadamente, de intuição política não muito apurada, de horizonte cultural pouco dilatado, para lá da estrita área económico-financeira da sua formação.
Outro aspecto da entrevista de Mira Amaral que suscita algum reparo diz respeito ao acerto ou desacerto das nomeações que, directa ou indirectamente, ao longo do exercício dos seus cargos políticos houve de efectuar.
Naturalmente, não se duvida da boa fé com que as fez e foram certamente muitas as acertadas, mas outras houve também que se revelaram pouco inspiradas, algumas erros enormes. Há muito que tal se tornou evidente, sobretudo para os que as conheceram e as sofreram.
Faltou-lhe seguramente reconhecer alguns destes factos na entrevista, como também lhe faltou compungir-se do excesso de antipatia ou acrimónia com que tratou certas pessoas, que porventura o haviam magoado ou discriminado, em anteriores momentos, mas que reuniam capacidades técnicas e outras qualidades de carácter largamente manifestadas e testemunhadas por quantos com elas trabalharam e conviveram.
Na vitória, como aconselhava Churchill, deve-se agir com generosidade e não actuar com rancor, sem que isso signifique pactuar com erros graves, situações anómalas, comportamentos incorrectos ou desleais.
Mas, nada se perde em repeti-lo, ninguém é perfeito e, no minguado universo de bons políticos que a democracia de Abril revelou, Mira Amaral ficará certamente como um dos seus mais destacados elementos.
Poucos encontraremos, em Portugal, tão conhecedores como ele de sectores fundamentais da nossa Economia, a começar pelo sector, hoje muito mediático, nem sempre pelas melhores razões, da Energia, de que há longos anos ele se ocupa, desde que começou a leccionar as cadeiras de Análise de Redes e Produção e Transporte de Energia Eléctrica no IST, matérias que teve oportunidade de apurar e aprofundar, nos anos em que trabalhou, como Engenheiro Electrotécnico, na EDP.
Competiria, por isso, ao País tirar das suas múltiplas valias maiores benefícios do que os que tem esporadicamente tirado desde que MA cessou funções governativas, sobretudo quando nos lembramos do regresso do PSD ao Governo, com Barroso e depois com Santana.
Na vida política de uma Nação, há momentos de ouro que ou se aproveitam e se capitalizam ou irremediavelmente se perdem.
Nos anos de Cavaco Silva, algumas oportunidades de modernização e de reanimação económica, foram, sem dúvida, bem aproveitadas, mas registou-se também, nesse período, uma enorme falta de Estratégia política, em áreas absolutamente vitais para o desenvolvimento equilibrado do País. Desta grave omissão colhemos hoje amargos resultados.
Os anos seguintes, os de António Guterres, foram, sobretudo, de decepção e de desperdício de oportunidades, desde logo no Ensino, a tão proclamada grande paixão do facundo Guterres, ao mesmo tempo que se assistiu a um eufórico momento de franco assalto ao Poder por uma desembaraçada coorte de neófitos do socialismo, na sua grande maioria, arrivistas, falsos socialistas e duvidosos democratas, por regra, de diminuta competência técnica, política ou moral.
Depois, os anos de Durão Barroso foram igualmente anos de pura perda política, de oportunidade de correcção completamente desaproveitada, para os social-democratas e para o País. Por fim, os breves meses do agitado Governo de Santana Lopes apenas confirmaram e prolongaram as incapacidades e as mediocridades que vinham de Barroso, entretanto escapulido, para seu grande alívio e nossa estupefacção, para o «eldorado» de Bruxelas, como Presidente da Comissão Europeia.
No presente, como vamos vendo, confrontamo-nos com um Governo dito de socialistas, recheado de mediocridades, porém muito festejado por uma plateia de beneficiados, que se esforçam por exaltar um líder enredado em grossa trapalhada, na obtenção de uma simples Licenciatura, obra, no entanto, de inusitada proeza, se atendermos à quantidade de cadeiras que o mesmo pôde fazer, em concomitância com as tarefas da Governação.
Ainda sobre a entrevista que a Comunicação Social ostensivamente ignorou e que motivou o artigo que aqui fica escrito, resta dizer que ela amplamente justificaria outros comentários e apreciações, porventura diversos e até discordantes dos aqui expressos. Nada mais natural de admitir.
Resta também, por último, desejar que Mira Amaral continue a interessar-se pela vida política do País e a fazer ouvir a sua voz, porque o País, como se tem visto, é escasso em recursos, naturais como humanos, demasiadamente até, para nossa desventura, não nos permitindo, por isso mesmo, o luxo de prescindir, tão cedo, de protagonistas da sua categoria.
AV_Lisboa, 25 de Março de 2007
Faltou-lhe seguramente reconhecer alguns destes factos na entrevista, como também lhe faltou compungir-se do excesso de antipatia ou acrimónia com que tratou certas pessoas, que porventura o haviam magoado ou discriminado, em anteriores momentos, mas que reuniam capacidades técnicas e outras qualidades de carácter largamente manifestadas e testemunhadas por quantos com elas trabalharam e conviveram.
Na vitória, como aconselhava Churchill, deve-se agir com generosidade e não actuar com rancor, sem que isso signifique pactuar com erros graves, situações anómalas, comportamentos incorrectos ou desleais.
Mas, nada se perde em repeti-lo, ninguém é perfeito e, no minguado universo de bons políticos que a democracia de Abril revelou, Mira Amaral ficará certamente como um dos seus mais destacados elementos.
Poucos encontraremos, em Portugal, tão conhecedores como ele de sectores fundamentais da nossa Economia, a começar pelo sector, hoje muito mediático, nem sempre pelas melhores razões, da Energia, de que há longos anos ele se ocupa, desde que começou a leccionar as cadeiras de Análise de Redes e Produção e Transporte de Energia Eléctrica no IST, matérias que teve oportunidade de apurar e aprofundar, nos anos em que trabalhou, como Engenheiro Electrotécnico, na EDP.
Competiria, por isso, ao País tirar das suas múltiplas valias maiores benefícios do que os que tem esporadicamente tirado desde que MA cessou funções governativas, sobretudo quando nos lembramos do regresso do PSD ao Governo, com Barroso e depois com Santana.
Na vida política de uma Nação, há momentos de ouro que ou se aproveitam e se capitalizam ou irremediavelmente se perdem.
Nos anos de Cavaco Silva, algumas oportunidades de modernização e de reanimação económica, foram, sem dúvida, bem aproveitadas, mas registou-se também, nesse período, uma enorme falta de Estratégia política, em áreas absolutamente vitais para o desenvolvimento equilibrado do País. Desta grave omissão colhemos hoje amargos resultados.
Os anos seguintes, os de António Guterres, foram, sobretudo, de decepção e de desperdício de oportunidades, desde logo no Ensino, a tão proclamada grande paixão do facundo Guterres, ao mesmo tempo que se assistiu a um eufórico momento de franco assalto ao Poder por uma desembaraçada coorte de neófitos do socialismo, na sua grande maioria, arrivistas, falsos socialistas e duvidosos democratas, por regra, de diminuta competência técnica, política ou moral.
Depois, os anos de Durão Barroso foram igualmente anos de pura perda política, de oportunidade de correcção completamente desaproveitada, para os social-democratas e para o País. Por fim, os breves meses do agitado Governo de Santana Lopes apenas confirmaram e prolongaram as incapacidades e as mediocridades que vinham de Barroso, entretanto escapulido, para seu grande alívio e nossa estupefacção, para o «eldorado» de Bruxelas, como Presidente da Comissão Europeia.
No presente, como vamos vendo, confrontamo-nos com um Governo dito de socialistas, recheado de mediocridades, porém muito festejado por uma plateia de beneficiados, que se esforçam por exaltar um líder enredado em grossa trapalhada, na obtenção de uma simples Licenciatura, obra, no entanto, de inusitada proeza, se atendermos à quantidade de cadeiras que o mesmo pôde fazer, em concomitância com as tarefas da Governação.
Ainda sobre a entrevista que a Comunicação Social ostensivamente ignorou e que motivou o artigo que aqui fica escrito, resta dizer que ela amplamente justificaria outros comentários e apreciações, porventura diversos e até discordantes dos aqui expressos. Nada mais natural de admitir.
Resta também, por último, desejar que Mira Amaral continue a interessar-se pela vida política do País e a fazer ouvir a sua voz, porque o País, como se tem visto, é escasso em recursos, naturais como humanos, demasiadamente até, para nossa desventura, não nos permitindo, por isso mesmo, o luxo de prescindir, tão cedo, de protagonistas da sua categoria.
AV_Lisboa, 25 de Março de 2007
12.3.07
O Futuro sem Presente das Direitas
A notícia da participação de Santana Lopes num colóquio sobre o futuro das direitas, onde se encontrava também Manuel Monteiro, pouco aparecido e falho de iniciativas políticas desde há muito, pode trazer algum benefício ao actual ambiente político português.
Manuel Monteiro, que em dado momento parecia encarnar o surgimento de um verdadeiro Partido de Direita em Portugal, entretanto eclipsou-se. Terá andado entretido com algum curso de pós-graduação ou preparar-se-á para anunciar um súbito doutoramento em Ciências Políticas, daqueles com pretensões de carácter científico, verificável e falsificável, como Popper exigia das demais? Ignoramos. Desejamos, porém, que regresse mais sabedor, pelo menos das matérias que estudou.
Nos dias de hoje, com os graus académicos ao preço da chuva, ao alcance de qualquer modesta inteligência, sustentada em moderado esforço pessoal, a promoção científica e cultural do País tornou-se um êxito estatístico, incomparável com o registado em qualquer outro período da nossa História antiga ou recente.
No caso de Manuel Monteiro, sabemos que há uns anos esteve em França a frequentar um Curso da tal Ciência Política, tendo depois regressado para lançar um Partido de Direita a sério, sem medo, sem fantasias centristas ou democristãs, porém, garantidamente democrático.
Tarefa que, aparentemente, estaria ao seu pleno alcance: não tinha idade para ter sido Marcelista, muito menos Salazarista; fizera um tirocínio com o Prof. Adriano Moreira, a quem substituíra na chefia do CDS, facto já de si absolutamente notável, para um rapaz, ainda antes dos 30 anos, sem ter sequer uma Licenciatura concluída, que se achava assim a dirigir um partido conservador, até então apenas chefiado por afamados Doutores.
Tal feito, subitamente realizado, não poderia deixar de ser considerado como absolutamente extraordinário, mais que suficiente para firmar uma reputação política. A sua actuação à frente do Partido, com a colaboração, então fraternal e frutuosa de Paulo Portas, nem se pode dizer que não tenha sido produtiva.
Deu-lhe uma guinada para a Direita, mudando-lhe até a designação para CDS/PP, acrescentando ao incaracterístico Centro Democrático Social o nome, mais prático e mais moderno, de Partido Popular.
Com isso irritou, no entanto, Freitas do Amaral, fundador e primeiro presidente do Partido, mas centrista rigoroso, antes de evoluir para uma posição acentuadamente pró-socialista e anti-americana, que ele, todavia, garante ser tão-somente anti-Bush.
Esta progressiva inclinação valer-lhe-ia, no tempo do facundo Guterres, a nomeação para Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, cargo de escasso poder executivo, mas de inegável prestígio, condição apropriada ao seu legítimo orgulho de distinto Professor Universitário.
A verdade é que Monteiro acabou por perder a direcção do partido para o seu amigo do peito, Paulo Portas, com ele incompatibilizado, assim terminando inesperadamente uma dupla política até aí bem sucedida. De então para cá, a chamada Direita Portuguesa tem andado bastante dispersa, alguma ela, pasme-se, até se acoitou no seio do Partido Social Democrático ( PSD).
É por isto que a intervenção de Santana Lopes, na preparação de uma festejada reanimação política da Direita, pode trazer alguma vantagem ao clima de indefinição em que há longos anos o PSD vem navegando, numa espécie de federação de sensibilidades políticas que abarca gente da Direita mais conservadora até à defensora da Social-Democracia, de pendor laborista ou trabalhista, mais próxima do Centro-Esquerda do que do Centro-Direita, como normalmente o Partido se deixa classificar, quando não é, pura e simplesmente, arrumado na Direita, sem mais.
O que, diga-se com frontalidade, nada tem de mal. Ser-se de Direita, em termos do regular jogo político, é tão legítimo como ser-se de Esquerda, desde que se respeitem as regras desse jogo, i.e., aquilo em que consiste e sanciona o funcionamento do sistema democrático.
Só em Portugal foi possível uma tão profunda diabolização da Direita, a ponto de ela quase significar «o Fascismo» ou qualquer outra coisa medonha equivalente, de cariz totalitário. Que esta diabolização tenha sido, em grande parte, obra dos comunistas tem o seu quê de irónico, se não de trágico.
Eles, os comunistas, que durante decénios a fio deram cobertura àquela colecção de ditaduras do leste europeu, mascaradas de socialismo, científico, como no-lo pretenderam inculcar (lá vem sempre o adjectivo de científico, adoptado para emprestar credibilidade à coisa), foram os que, mercê de uma bem orquestrada máquina de propaganda, dirigida com mestria, reconheça-se, persistentemente espalharam essa espécie de maldição que sempre caiu sobre qualquer formação política que se quisesse situar à direita do socialismo, pior ainda se se assumisse como inequivocamente de Direita.
Se logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 isso ainda parecesse inevitável, pela longa identificação de uma parte significativa da Direita Portuguesa com o regime então derrubado, hoje, 33 anos passados sobre aquela data, 16 da queda da União Soviética, por falência global interna, tal situação afigura-se absolutamente insustentável, não fazendo nenhum sentido que comunistas definam quem é ou deixa de ser democrata.
Daí que toda a clarificação do espectro político-partidário nacional seja vista como um factor positivo, permitindo que todos se posicionem melhor no campo ideológico e doutrinário, mesmo sabendo que estes quesitos não têm hoje a importância de outrora.
Se Santana Lopes viesse a protagonizar um fraccionamento do PSD, para a criação de um partido de nítida orientação liberal, como já em tempos ameaçou ou insinuou querer fazer, julgo que todos acabariam por lhe ficar gratos.
Ver-se-ia então quem são actualmente no PSD os que ainda prezam a Social-Democracia, com as necessárias adaptações aos tempos que correm, mas ainda assim, sob a inspiração dos princípios que sempre nortearam os partidos que sob a influência daquela doutrina se formaram por toda a Europa.
Assim Santana Lopes professasse alguma coerência política e não continuasse a agir consoante os seus excessivamente versáteis estados de alma.
AV_Lisboa, 12 de Março de 2007
Manuel Monteiro, que em dado momento parecia encarnar o surgimento de um verdadeiro Partido de Direita em Portugal, entretanto eclipsou-se. Terá andado entretido com algum curso de pós-graduação ou preparar-se-á para anunciar um súbito doutoramento em Ciências Políticas, daqueles com pretensões de carácter científico, verificável e falsificável, como Popper exigia das demais? Ignoramos. Desejamos, porém, que regresse mais sabedor, pelo menos das matérias que estudou.
Nos dias de hoje, com os graus académicos ao preço da chuva, ao alcance de qualquer modesta inteligência, sustentada em moderado esforço pessoal, a promoção científica e cultural do País tornou-se um êxito estatístico, incomparável com o registado em qualquer outro período da nossa História antiga ou recente.
No caso de Manuel Monteiro, sabemos que há uns anos esteve em França a frequentar um Curso da tal Ciência Política, tendo depois regressado para lançar um Partido de Direita a sério, sem medo, sem fantasias centristas ou democristãs, porém, garantidamente democrático.
Tarefa que, aparentemente, estaria ao seu pleno alcance: não tinha idade para ter sido Marcelista, muito menos Salazarista; fizera um tirocínio com o Prof. Adriano Moreira, a quem substituíra na chefia do CDS, facto já de si absolutamente notável, para um rapaz, ainda antes dos 30 anos, sem ter sequer uma Licenciatura concluída, que se achava assim a dirigir um partido conservador, até então apenas chefiado por afamados Doutores.
Tal feito, subitamente realizado, não poderia deixar de ser considerado como absolutamente extraordinário, mais que suficiente para firmar uma reputação política. A sua actuação à frente do Partido, com a colaboração, então fraternal e frutuosa de Paulo Portas, nem se pode dizer que não tenha sido produtiva.
Deu-lhe uma guinada para a Direita, mudando-lhe até a designação para CDS/PP, acrescentando ao incaracterístico Centro Democrático Social o nome, mais prático e mais moderno, de Partido Popular.
Com isso irritou, no entanto, Freitas do Amaral, fundador e primeiro presidente do Partido, mas centrista rigoroso, antes de evoluir para uma posição acentuadamente pró-socialista e anti-americana, que ele, todavia, garante ser tão-somente anti-Bush.
Esta progressiva inclinação valer-lhe-ia, no tempo do facundo Guterres, a nomeação para Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, cargo de escasso poder executivo, mas de inegável prestígio, condição apropriada ao seu legítimo orgulho de distinto Professor Universitário.
A verdade é que Monteiro acabou por perder a direcção do partido para o seu amigo do peito, Paulo Portas, com ele incompatibilizado, assim terminando inesperadamente uma dupla política até aí bem sucedida. De então para cá, a chamada Direita Portuguesa tem andado bastante dispersa, alguma ela, pasme-se, até se acoitou no seio do Partido Social Democrático ( PSD).
É por isto que a intervenção de Santana Lopes, na preparação de uma festejada reanimação política da Direita, pode trazer alguma vantagem ao clima de indefinição em que há longos anos o PSD vem navegando, numa espécie de federação de sensibilidades políticas que abarca gente da Direita mais conservadora até à defensora da Social-Democracia, de pendor laborista ou trabalhista, mais próxima do Centro-Esquerda do que do Centro-Direita, como normalmente o Partido se deixa classificar, quando não é, pura e simplesmente, arrumado na Direita, sem mais.
O que, diga-se com frontalidade, nada tem de mal. Ser-se de Direita, em termos do regular jogo político, é tão legítimo como ser-se de Esquerda, desde que se respeitem as regras desse jogo, i.e., aquilo em que consiste e sanciona o funcionamento do sistema democrático.
Só em Portugal foi possível uma tão profunda diabolização da Direita, a ponto de ela quase significar «o Fascismo» ou qualquer outra coisa medonha equivalente, de cariz totalitário. Que esta diabolização tenha sido, em grande parte, obra dos comunistas tem o seu quê de irónico, se não de trágico.
Eles, os comunistas, que durante decénios a fio deram cobertura àquela colecção de ditaduras do leste europeu, mascaradas de socialismo, científico, como no-lo pretenderam inculcar (lá vem sempre o adjectivo de científico, adoptado para emprestar credibilidade à coisa), foram os que, mercê de uma bem orquestrada máquina de propaganda, dirigida com mestria, reconheça-se, persistentemente espalharam essa espécie de maldição que sempre caiu sobre qualquer formação política que se quisesse situar à direita do socialismo, pior ainda se se assumisse como inequivocamente de Direita.
Se logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 isso ainda parecesse inevitável, pela longa identificação de uma parte significativa da Direita Portuguesa com o regime então derrubado, hoje, 33 anos passados sobre aquela data, 16 da queda da União Soviética, por falência global interna, tal situação afigura-se absolutamente insustentável, não fazendo nenhum sentido que comunistas definam quem é ou deixa de ser democrata.
Daí que toda a clarificação do espectro político-partidário nacional seja vista como um factor positivo, permitindo que todos se posicionem melhor no campo ideológico e doutrinário, mesmo sabendo que estes quesitos não têm hoje a importância de outrora.
Se Santana Lopes viesse a protagonizar um fraccionamento do PSD, para a criação de um partido de nítida orientação liberal, como já em tempos ameaçou ou insinuou querer fazer, julgo que todos acabariam por lhe ficar gratos.
Ver-se-ia então quem são actualmente no PSD os que ainda prezam a Social-Democracia, com as necessárias adaptações aos tempos que correm, mas ainda assim, sob a inspiração dos princípios que sempre nortearam os partidos que sob a influência daquela doutrina se formaram por toda a Europa.
Assim Santana Lopes professasse alguma coerência política e não continuasse a agir consoante os seus excessivamente versáteis estados de alma.
AV_Lisboa, 12 de Março de 2007
10.3.07
Interlúdio Futebolístico
Nos tempos que correm, apesar da omnipresença dos meios informáticos, as pessoas continuam a ser imprescindíveis.
Uma noite destas, passei várias horas em pesquisas persistentes na Internet, à procura da confirmação de uns dados futebolísticos imprecisamente gravados na minha memória.
Tratava-se de obter a confirmação de um resultado ocorrido aí pelo meio da década de 60, do século passado, deveras humilhante para o Benfica, na Luz, então autêntica Catedral, imposto pelo seu velho rival de Lisboa, o Sporting Clube de Portugal.
Recorri ainda a vários amigos, sportinguistas de antiga convicção, mas também eles não me tiraram desta dúvida, diria, à guisa de Mestre Camilo, quase excruciante.
Assim fiquei, algo ruminante, até que, numa das minhas excursões internéticas, dei com um apontamento de um dos confrades da Aspirina B, José do Carmo Francisco, que conhecia de nome, pelas crónicas saborosas que dele leio, com regularidade, na Gazeta das Caldas. Nalgumas, já ele havia revelado a sua condição de Sportinguista conhecedor.
Ainda algo duvidoso sobre se seria a mesma pessoa, lá lhe deixei um pedido de esclarecimento sobre esse mítico encontro de futebol, ocorrido no Estádio da Luz, em que o meu, então mesmo glorioso, Benfica contra o seu arqui-rival de Lisboa, havia sofrido ali, na sua vera casa, uma humilhante derrota de 4 a qualquer coisa, naqueles tempos áureos de José Augusto, Eusébio, Torres, Coluna e Simões. Vejam bem : que estupenda linha de ataque, meus caros.
E de lá veio, pronta e exacta, a resposta : jogo realizado na Luz, a 17 de Outubro de 1965, em que o Benfica tinha sido derrotado pelo Sporting por 4-2, sendo que os 4 golos dos «leões» haviam sido apontados pelo mesmo jogador, o ponta-de-lança João Lourenço, que terá atingido aí o zénite da sua carreira de futebolista. Não guardo dele, depois deste jogo, outros factos relevantes da sua história de goleador.
Mais me informou J.C. Francisco que, na baliza do Benfica, esteve o guarda-redes Melo, que também não terá aquecido o lugar, por via deste resultado. Nessa época de 1965-66, o Sporting sagrar-se-ia Campeão Nacional, talvez estimulado com esse feito memorável.
O mesmo efeito já não alcançaria o Sporting com a sua mais célebre vitória dos tempos modernos, quando, em 1986 ou 87, venceu, dessa vez em Alvalade, por 7-1, o Benfica, então treinado, salvo erro, por John Mortimore, que, não obstante, haveria nesse ano de sair-se Campeão, depois de ter conseguido recuperar psicologicamente os jogadores que dali haviam saído animicamente arrasados.
Também não consegui, na Internet, confirmar a data deste último jogo, embora a RTP, de vez em quando, passe imagens dele, para gáudio de «leões» e amargura de «águias».
Evoquei aqui nesta tribuna, contra o que é meu hábito, estes factos futebolísticos, já sem a paixão com que os sofri, sobretudo o de 1965, quando ainda era tenro adolescente e vibrava com aquela equipa maravilha, que, por mais de um decénio, deu alegrias sem igual a milhões de Portugueses espalhados pelo mundo, num tempo para eles avaro em motivos de animação e orgulho, desportivos e outros.
Convém lembrar que, até às magníficas vitórias europeias do Benfica dos anos 60, quase só o Hóquei em Patins nos tirava a barriga de misérias, em matéria de orgulho nacional, com alguma ajuda do Fado da Amália e do Carlos do Carmo e, claro, d’Os Lusíadas, do nosso imortal Luís de Camões, porque o Fernando Pessoa, esse, ainda dormia o seu sono profundo de ilustre desconhecido, de que só seria resgatado em 1985, cinquenta anos após a sua morte desapercebida : malhas que o Império tece…
AV_Lisboa, 10 de Março de 2007
9.3.07
Salazar e o Anti-Fascismo Serôdio
O nome de Salazar voltou à ribalta política. Um pouco por todo o lado dele se fala. Para não destoar, também terei de pronunciar-me sobre a recente polémica desencadeada pelo Programa-Concurso da Radiotelevisão Portuguesa intitulado Grandes Portugueses.
Este programa, ao que parece, inventado e testado pela prestigiada BBC da cosmopolita Londres, onde, em idêntico concurso, para descanso dos mais politizados, terá vencido o grande obreiro da vitória da Inglaterra na 2ª Guerra Mundial, Wiston Churchill, mas em que, igualmente para tranquilidade dos que prezam a cultura literária e a científica, os nomes de William Shakespeare e de Isaac Newton terão logrado também elevada classificação, despertou, todavia, em Portugal, súbita e acesa celeuma.
Este programa, ao que parece, inventado e testado pela prestigiada BBC da cosmopolita Londres, onde, em idêntico concurso, para descanso dos mais politizados, terá vencido o grande obreiro da vitória da Inglaterra na 2ª Guerra Mundial, Wiston Churchill, mas em que, igualmente para tranquilidade dos que prezam a cultura literária e a científica, os nomes de William Shakespeare e de Isaac Newton terão logrado também elevada classificação, despertou, todavia, em Portugal, súbita e acesa celeuma.
Tal se explica, sobretudo, porque nos dez primeiros nomes apurados para a fase final do Concurso, figura o do antigo Lente da Universidade de Coimbra, António de Oliveira Salazar (1989–1970), depois Presidente do Conselho de Ministros de Portugal, durante 36 anos, de 1932 a 1968.
Vendo bem, quase tantos anos quantos os da «longa noite fascista», que ainda se prolongaria por mais uma meia-dúzia deles, até se findar com a chegada do sol radioso de uma manhã de Primavera, em 25 de Abril de 1974, pela mão de jovens capitães, voluntariosos militares, fartos do mato e das savanas ultramarinas e, sobretudo, da retórica pseudo-nacionalista, militantemente não praticante, naquelas inconvenientes latitudes desse continente africano, tão cedo, na História, pisado, regado e fecundado com suor e sangue lusitanos.
Tanto bastou para que a velha malta exaltada do anti-fascismo, apesar da avançada idade de muitos deles, se levantasse em fúria desabrida contra o iminente, perigoso retorno do marrafico hirsuto e cornudo do dito Fascismo, pese a inoportunidade dos tempos e da cultura reinante, absolutamente contrárias à germinação de tão daninha erva, nunca, pelo visto, suficientemente combatida e esconjurada.
Para carregar o horizonte, eis que uns tantos maduros, cabeças imprevidentes dessas primevas terras do interior beirão, se lembraram de criar um Museu do velho e negregado Estado Novo, com pertences pessoais do Ditador Salazar, o único ditador que é sempre assim designado pelos militantes comunistas, ainda que, em termos comparativos, com outros muito do agrado destes militantes, tenha de ser considerado como um Déspota algo benigno e até, convenhamos, em largas matérias, bastante esclarecido.
É geralmente reconhecida a sua fecunda formação universitária coimbrã e a sua proverbial propensão para a leitura de clássicos, portugueses e franceses, sobretudo, prática em que gastava largas horas dos ócios da sua escassa vida privada, pela sua consabida consagração às tarefas da Governação do seu querido Estado Novo Português, o qual, orgulhosamente, segundo rezam os seus correligionários, havia erguido quase dos escombros do antigo e desconjuntado Estado sobrevivente da demagogia republicana e jacobina dos anos vinte do século passado.
Perante tão impetuosa conspiração de velhos e novos salazaristas, os sempre jovens militantes comunistas, unidos nas suas frentes democráticas, para o efeito, muito apropriadas, mesmo que sejam constituídas por si próprios, aliados a mais alguns incautos de bom coração desejosos de contribuir para uma boa causa, mesmo se apenas imaginada, lá abalaram, todos, de roldão, a caminho de Viseu, com as câmaras e repórteres de TV atrás, estes, por dever de ofício, ávidos de escândalo, arruaça e, quiçá, de sangue, do genuíno, vermelho-rubro, de comunistas e fascistas, juntos e jurados no ódio recíproco, ainda que, por uma vez, completamente deslocados, no tempo e no lugar.
Que mais nos restará, irmãos em Cristo, senão comentar pela ironia tão ficcionada jornada de luta de militantes comunistas, subitamente enfurecidos, apostados em tirar do alheamento político os seus pacatos compatriotas, cada vez mais deprimidos com uma Economia que não cresce, uma Saúde que falta, uma Educação que regride, uma Justiça que desatina, uma Agricultura moribunda, umas Pescas que definham, eu sei lá que mais, capaz de aumentar o pesadelo do presente quotidiano dos Portugueses?
Só a iminente conspiração salazarista poderia, na verdade, despertar tanto adormecido cidadão, compreensivelmente deprimido na sua auto-estima, por esta imensa mole de insucessos, que, atente-se bem, há-de sempre assacar-se a Salazar e aos seus indefectíveis comparsas, fascistas ou filo-fascistas, que, mesmo depois de desaparecidos, de lá das profundas onde se encontram, continuam a urdir a sua inominável trama contra o bom êxito desta esforçada Democracia, que, como todos podem certamente testemunhar, os militantes comunistas tanto têm ajudado a levantar nestes últimos 33 anos.
Ânimo, portanto, Portugueses, porque Eles não, nunca, jamais hão-de passar! Sim, não passarão!... Pelo menos, enquanto houver militantes anti-fascistas dignos desse nome …
AV_Lisboa, 08 de Março de 2007
Vendo bem, quase tantos anos quantos os da «longa noite fascista», que ainda se prolongaria por mais uma meia-dúzia deles, até se findar com a chegada do sol radioso de uma manhã de Primavera, em 25 de Abril de 1974, pela mão de jovens capitães, voluntariosos militares, fartos do mato e das savanas ultramarinas e, sobretudo, da retórica pseudo-nacionalista, militantemente não praticante, naquelas inconvenientes latitudes desse continente africano, tão cedo, na História, pisado, regado e fecundado com suor e sangue lusitanos.
Tanto bastou para que a velha malta exaltada do anti-fascismo, apesar da avançada idade de muitos deles, se levantasse em fúria desabrida contra o iminente, perigoso retorno do marrafico hirsuto e cornudo do dito Fascismo, pese a inoportunidade dos tempos e da cultura reinante, absolutamente contrárias à germinação de tão daninha erva, nunca, pelo visto, suficientemente combatida e esconjurada.
Para carregar o horizonte, eis que uns tantos maduros, cabeças imprevidentes dessas primevas terras do interior beirão, se lembraram de criar um Museu do velho e negregado Estado Novo, com pertences pessoais do Ditador Salazar, o único ditador que é sempre assim designado pelos militantes comunistas, ainda que, em termos comparativos, com outros muito do agrado destes militantes, tenha de ser considerado como um Déspota algo benigno e até, convenhamos, em largas matérias, bastante esclarecido.
É geralmente reconhecida a sua fecunda formação universitária coimbrã e a sua proverbial propensão para a leitura de clássicos, portugueses e franceses, sobretudo, prática em que gastava largas horas dos ócios da sua escassa vida privada, pela sua consabida consagração às tarefas da Governação do seu querido Estado Novo Português, o qual, orgulhosamente, segundo rezam os seus correligionários, havia erguido quase dos escombros do antigo e desconjuntado Estado sobrevivente da demagogia republicana e jacobina dos anos vinte do século passado.
Perante tão impetuosa conspiração de velhos e novos salazaristas, os sempre jovens militantes comunistas, unidos nas suas frentes democráticas, para o efeito, muito apropriadas, mesmo que sejam constituídas por si próprios, aliados a mais alguns incautos de bom coração desejosos de contribuir para uma boa causa, mesmo se apenas imaginada, lá abalaram, todos, de roldão, a caminho de Viseu, com as câmaras e repórteres de TV atrás, estes, por dever de ofício, ávidos de escândalo, arruaça e, quiçá, de sangue, do genuíno, vermelho-rubro, de comunistas e fascistas, juntos e jurados no ódio recíproco, ainda que, por uma vez, completamente deslocados, no tempo e no lugar.
Que mais nos restará, irmãos em Cristo, senão comentar pela ironia tão ficcionada jornada de luta de militantes comunistas, subitamente enfurecidos, apostados em tirar do alheamento político os seus pacatos compatriotas, cada vez mais deprimidos com uma Economia que não cresce, uma Saúde que falta, uma Educação que regride, uma Justiça que desatina, uma Agricultura moribunda, umas Pescas que definham, eu sei lá que mais, capaz de aumentar o pesadelo do presente quotidiano dos Portugueses?
Só a iminente conspiração salazarista poderia, na verdade, despertar tanto adormecido cidadão, compreensivelmente deprimido na sua auto-estima, por esta imensa mole de insucessos, que, atente-se bem, há-de sempre assacar-se a Salazar e aos seus indefectíveis comparsas, fascistas ou filo-fascistas, que, mesmo depois de desaparecidos, de lá das profundas onde se encontram, continuam a urdir a sua inominável trama contra o bom êxito desta esforçada Democracia, que, como todos podem certamente testemunhar, os militantes comunistas tanto têm ajudado a levantar nestes últimos 33 anos.
Ânimo, portanto, Portugueses, porque Eles não, nunca, jamais hão-de passar! Sim, não passarão!... Pelo menos, enquanto houver militantes anti-fascistas dignos desse nome …
AV_Lisboa, 08 de Março de 2007